quarta-feira, 14 de maio de 2014

DE FREUD À CONTEMPORANEIDADE: A VITÓRIA DA RELIGIÃO SOBRE O SABER CIENTÍFICO.



DE FREUD À CONTEMPORANEIDADE: A VITÓRIA DA RELIGIÃO SOBRE O SABER CIENTÍFICO.

FROM FREUD TO POSTMODERNITY: THE VICTORY OF RELIGION ON SCIENTIFIC KNOWLEDGE.


Olivan Liger de Oliveira
ILPC – Instituto Latino americano de Psicanálise Contemporânea



Resumo:

Relendo os escritos de Freud O Mal estar na cultura e O futuro de uma ilusão, textos nos quais Freud faz referências ao papel da religião na vida do homem moderno, o presente artigo busca compreender as mudanças desde a época que Freud escreveu sobre o tema (1927-1930) no que se refere ao papel e funções da religião na pós-modernidade. A expectativa freudiana de que o saber científico desmontaria a estrutura da religião e proveria o homem do alento necessário para enfrentar o destino e a natureza não se realizou. O fenômeno religioso, ao contrário da expectativa de Freud, cresce em progressão geométrica se posicionando no mesmo nível que o saber científico. Diante da velocidade das mudanças na contemporaneidade, a religião adquire novas funções na manutenção da vida do homem e o seu estar na civilização. O objetivo desse trabalho é refletir acerca dessas novas funções da religião na contemporaneidade e seus precedentes.

Palavras chaves: religião, contemporaneidade, Deus, civilização

Abstract:
Reading Freud's writings Civilization and its discontents and The Future of an Illusion, in which refers to the role of religion in the life of modern man, this article seeks to understand the changes since the time Freud wrote on the subject (1927-1930) with regard to the role and functions of religion in postmodernity. It was Freud's expectation that scientific knowledge could destroy the structure of religion and provides the man with the hability to face the fate and nature, was not realized. The religious phenomenon, on the contrary to the expectation of Freud, increases strongly positioning itself on the same level as scientific knowledge. Due to the speed of changes in contemporary society, religion acquires new functions in the maintenance of human life and its survival in society . The aim of this paper is to reflect on these new roles of religion in contemporary society and its precedents.

Keywords: religion, postmodernity, God, civilization



Introdução:

A contemporaneidade é um tempo singular que encerra mudanças em diversos aspectos da vida do indivíduo e na sociedade. É o resultado de diversas mudanças sofridas no psiquismo e que alteram o modo de estar no mundo e de interagir com outrem. Diz respeito aos últimos vinte anos e se faz acompanhar ou se insere em processos mais amplos como a globalização, a mundialização. Nela se estabelece uma rede de informações instantâneas que quebra a barreira do tempo e do espaço e de fluxo contínuo, suportada pelos avanços constantes da tecnologia e impactando de forma visível no sujeito contemporâneo. A tecnologia e o fluxo contínuo de informações contribuem para o isolamento do sujeito e faz emergir uma sensação de desamparo. O isolamento do sujeito reflete um enfraquecimento na cultura e na civilização que, nos dias atuais, parece ser regida pelo paradoxo de viver de forma civilizada, mas isolado dos demais; viver em liberdade e sob o jugo do prazer, mas manter ainda assim um convívio civilizado. Com base nos textos de Freud “O futuro de uma ilusão” e “O mal estar na cultura”, o primeiro, escrito em 1927 e o segundo em 1929 e publicado em 1930, esse trabalho tende a confirmar algumas afirmações de Freud acerca da origem psicológica da religião, de como Freud previu o fenônomeno religioso na contemporaneidade e qual função a religião tem assumido na contemporaneidade.

Sobre o que Freud infere acerca da religião:

A religião é um conjunto de sistemas culturais e de crenças que reflete em uma visão específica de mundo. Através de seus símbolos, estabelece a relação da humanidade com a espiritualidade. Suas tradições, símbolos e mitos visam dar um sentido a vida ou explicar sua origem. Tem eleito um deus poderoso e criador que gere todas as formas de vida. A religião caminha na contra mão da razão, pois nada prova, apenas insere o indivíduo num conjunto de crenças, o qual é adotado pela sua fé. O desenvolvimento de uma religião está diretamente ligado à cultura na qual está inserida. Algumas religiões privilegiarão a crença, enquanto outras, a prática. Uma outra enfatizará a experiência subjetiva em detrimento da prática comunitária. Assim, pode-se afirmar que a religião é moldada pela cultura.
O escrito O Mal estar na cultura foi uma resposta a Romain Rolland, quando este, através de sua correspondência com Freud , afirma concordar com a idèia central do escrito O futuro de uma ilusão, no qual Freud afirma ser a religião uma ilusão. Romain Rolland, embora concorde em parte, contesta-o afirmando apreciar um sentimento oceânico, algo como uma sensação peculiar de eternidade advinda da religiosidade.
Discorrendo a partir desse ponto, Freud afirma categoricamente nesse texto que a felicidade não é parte da criação e que o ser humano está fadado a lidar com a infelicidade e dor, que para sobreviver no mundo e em sociedade, é necessário renunciar a grande parte de suas pulsões e sublimar sua agressividade. Acreditava também que, no futuro, a religião devesse ser suplantada pelo saber científico. O mundo tecnológico poderia, com seus múltiplos recursos e com a ciência tornar a religião obsoleta. A modernidade, época em que Freud discorreu sobre o tema, propunha superar continuamente toda e qualquer estrutura menos completa, substituindo as por estruturas plenas e de máxima completude. No texto citado acima, Freud diz que o afastamento da religião está fadado a ocorrer com a fatal inevitabilidade de um processo de crescimento, e nos encontramos exatamente nessa junção, no meio dessa fase de desenvolvimento (Freud, p. 57)
O futuro de uma ilusão tem seu eixo fundamentado nas vias psíquicas que deram origem à religião. O homem, em oposição à natureza, tem na religião um mediador que aplaca sua impotência diante daquilo que não pode evitar. A vulnerabilidade do ser humano o conduz a humanizar os elementos da natureza, na tentativa de reduzir sua ansiedade perante o desconhecido e ameaçador. Mas, essa não é a única função da religião que Freud explora nesse escrito: o homem, desde que tem a natureza de interação e interdependência, está condenado a viver em grupos sociais os quais têm normas de condutas e regras de convivência, ou seja, os grupos sociais exigem viver em civilização. Entretanto viver em civilização é renunciar a uma grande parte das pulsões, mantendo o homem num estado de
infelicidade e incompletude. A religião, nesse aspecto, vem atenuar as limitações impostas pela sociedade, tornando-a mais suportável. E por fim, Freud infere que a religião tenha uma estreita conexão com os primórdios do desenvolvimento e o Complexo de Édipo e que a necessidade de um Deus seja um derivativo da necessidade do pai nos primeiros anos de vida. Freud cita no escrito de 1929:

A derivação das necessidades religiosas, a partir do desamparo do bebê e do anseio pelo pai que aquela necessidade desperta, parece-me incontrovertível, desde que, em particular, o sentimento não seja simplesmente prolongado a partir dos dias da infância, mas permanentemente sustentado pelo medo do poder superior do Destino. Não consigo pensar em nenhuma necessidade da infância tão intensa quanto a da proteção do pai

Nesse escrito, Freud descreve a questão das pulsões e afirma que o homem é destrutivo em sua natureza, nele habita uma disposição inata e duradoura para destruição, sendo essa disposição um obstáculo ao convívio social e que o sentimento de culpa é o que move o homem a permanecer unido a um grupo e torná-lo cada vez maior. Justifica sua afirmação buscando sua origem no mito do pai primevo, o assassinato do pai, o que se correlaciona com o desejo de parricídio no édipo.
Considerando então a natureza destrutiva humana e seu persistente sentimento de culpa, a religião teria a função de tentar domesticar essa força destrutiva e através de seus ritos, reduzir a culpa, possibilitando o convívio social. Ao mesmo tempo que tem a função de reduzir a culpa, por ser a prática religiosa geralmente exercida em grupo, necessita, não redimir e acabar com a culpa, mas mantê-la em níveis ideais que promova a manutenção do grupo religioso. Aqui estabelece-se um paradoxo: a religião tem como tarefa reduzir a culpa humana e ao mesmo tempo mantê-la para que possa existir.
Para Freud, Deus é uma invenção humana que encontra sua origem na tentativa de dar características humanas às forças da natureza. Laznik afirma que “Só se pode amar o outro por aquilo que lhe falta. Mesmo o Outro, o grande Deus, só pode ser amado pela única coisa que lhe falta: a existência.”
Até esse ponto, pode-se então descartar a função da religião como mediadora do encontro com o divino, com o que está além, o criador e colocá-la no plano de um repertório de recursos criados para amenizar a dor da existência humana e moldar o convívio dos homens em grupos sociais.
O ser humano, nos primórdios do desenvolvimento, experimenta uma sensação de fascinação e temor diante dos pais, seres superiores capazes de transmitir toda a segurança à criança. A medida que o indivíduo cresce, os pais são introjetados na forma de ideal de ego. Entretanto, esse desejo pelo pai não cessa e se materializa através de um sentimento de fascinação e temor ao sagrado, a um pai capaz de livrar o indivíduo do desamparo. O vínculo que une a humanidade ao sagrado é, portanto, o desamparo. Deus é o pai idealizado que provê o homem de segurança e apazigua a sua impotência diante da natureza e do destino.

A profecia não cumprida.

Para Freud, no seu texto O futuro de uma ilusão, lê-se claro a sua expectativa de que a ciência pudesse disponibilizar recursos capazes de fazer o homem lidar melhor com as forças da natureza e com seu destino. A prática científica objetiva proporcionaria uma compreensão da religião como uma ilusão.
Entretanto, parece que o discurso científico da contemporaneidade não é o suficiente para compreender a religião como ficção e tampouco confirmar que Deus está morto. Não enfraqueceu e nem dizimou o vínculo que une a humanidade ao sagrado e trilhando por um caminho oposto, proveu razões suficientemente fortes para a preservação desse vínculo. Constata-se na atualidade que ciência e religião caminham lado a lado. Esse fato fora previsto por Lacan, quando cita que a religião:

Não triunfará apenas sobre a psicanálise [ que terá que sobreviver a ela], triunfará sobre muitas outras coisas também. É inclusive impossível imaginar quão poderosa é a religião... O real, por pouco que a ciência ai se meta, vai se estender, e a religião terá mito mais razões ainda para apaziguar os corações (LACAN, 2005, p.58)

Mas, o que leva ao fracasso da profecia freudiana? Será que Freud tinha claro em seus pensamentos, o rumo que a contemporaneidade tomaria? Fenômenos diversos contribuiram para que a contemporaneidade se tornasse imprevisível tomando como ponto de perspectiva, o século passado.
A contemporaneidade tem como característica a desagregação da civilização e seus valores, criando uma nova forma de interagir e uma nova cultura. Os valores que sustentavam a sociedade e a convivência em grupo tornaram-se fulgazes. Bauman usou o termo “líquido” para caracterizar os fenômenos da contemporaneidade, regida pela individualização e privatização. A quebra das tradições implica diretamente numa desregulação de várias ordens, incluíndo a social, econômica e política, resultando na destituição do espaço público, na expansão dos mercados mundiais e na falência do coletivo. Segundo Bauman:

O “derretimento dos sólidos”, traço permanente da modernidade, adquiriu, portanto, um novo sentido, e, mais que tudo, foi redirecionado a um novo alvo, e um dos principais efeitos desse redirecionamento foi a dissolução das forças que poderiam ter mantido a questão da ordem e do sistema na agenda política. Os sólidos que estão para ser lançados no cadinho e os que estão derretendo neste momento, o momento da modernidade fluida, são os elos que entrelaçam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas – os padrões de comunicação e coordenação entre as políticas de vida conduzidas individualmente, de um lado, e as ações políticas de coletividades humanas, de outro (BAUMAN, 2001, p. 12).

Por outro lado, a ênfase na produção e no poder e a expansão de mercados mundiais geraram riquezas, riquezas que não trouxeram felicidade, pelo contrário, parece ter trazido mais infelicidade. O aumento da riqueza gerou uma taxa maior e crescente de criminalidade, e um desconforto quanto a incerteza em relação ao futuro. O reconhecimento do indivíduo na contemporaneidade se faz através do consumo, não do consumo necessário, mas do consumo de grifes, de facilidades tecnológicas, de recursos que transformam o corpo numa prótese, etc. O consumismo parece preencher um vazio interno que não é mais aceitável nos tempos modernos. E quanto mais o indivíduo se afasta da felicidade, mais atordoado é por mensagens de todos os tipos pregando-lhe que tem que ser feliz. Pílulas da felicidade prometem suprimir a angústia gerada pelo vazio existencial enquanto vitrines apelam para o consumo desenfreado com ofertas de produtos mágicos que prometem mudar o humor e o destino do indivíduo. O prazer, a felicidade e a liberdade são motes de uma sociedade contemporânea. As relações são fundamentadas na provisão de prazer e na liberdade que oferecem aos participantes. Se algo obstrui o prazer e a liberdade, a relação é sacrificada sem levar em conta a outra parte. A civilização parece não mais implicar na renúncia das pulsões, que anteriormente regia o convívio social, e deve co-existir junto com a realização de boa parte dos desejos.
Para grandes vazios, grandes promessas: as drogas lícitas e ilícitas parecem ganhar um espaço maior na sociedade demonstrada por suas altas taxas de consumo e pela oferta de drogas cada vez mais poderosas.
Outro fenômeno que ocorre nos dias atuais, denominado pela psicanalista Maria Rita Kehl de teenagização da cultura, é a manutenção de um estado mental infantil no adulto, um alongamento da adolescência sem prescrição de término parece muito comum na contemporaneidade.
No psiquismo, um gatilho para grandes mudanças na contemporaneidade tem sua origem na questão da estrutura familiar e na falência da função paterna. A família, outrora estruturada, com papéis muito claros e definidos, a partir do fim do século vem gradativamente sofrendo mudanças. A mulher, antes mãe e dona de casa, ganha seu espaço fora do lar e escala ascensão profissional juntamente com o marido. Por compor a renda familiar, ganha autoridade fazendo-se valer do antigo jargão “ Quem tem [dinheiro], banca”. O homem, destituído de sua autoridade única, tem agora que assumir novos papéis no seu dia a dia e compensar a colaboração financeira da mulher, tornando-se parceiro e colaborador das tarefas domésticas. Os filhos, precocemente colocados em creches ou instituições cuidadoras, têm sua educação terceirizada, perdendo a clara referência dos valores familiares. Dos tantos papéis assumidos pelo homem e pela mulher resultam num mundo onde o indivíduo não sabe mais qual o seu espaço, não tem mais papel pré-definido e portanto são impelidos a lutar pela sua conta e risco para cumprir a sua natureza de pertencimento numa sociedade competitiva, seletiva economicamente e socialmente. Assim se constrói o desamparo do homem contemporâneo.
E nesse desamparo, que a religião encontra um terreno fértil para florescer. Segundo o Novo mapa de religiões FGV/CPS, em 2011 relata-se um número de 60 segmentos religiosos diferentes atuantes no Brasil, sendo que o grupo evangélico foi o de maior crescimento, que em quarenta anos subiu de 5,2% para 22,2%. Segundo o site noticias.gospelprime.com.br, em 01/02/2014, evangélicos abrem 14 mil igrejas por ano, arrecadam diariamente 60 milhões e anualmente 21,5 bilhões de reais.
Assim, a expectativa de Freud em 1927 parece ter sido frustrada. O rigor científico não conseguiu exterminar com a ilusão da religião e ambas convivem num mesmo espaço na contemporaneidade.

A função da religião na contemporaneidade

A religião continua oferecendo ao homem, um pai que lhe dê sentido à vida, possibilitando um menor sentimento de desamparo e uma esperança de continuidade de vida. Ainda que o homem esteja exposto às manifestações da natureza, Deus lhe garante através da religião e sua prática, um sentido e uma continuidade para sua vida:

A formação da religião é uma defesa contra o desamparo infantil que o homem adulto não deixa de perceber em si, em seu sentimento de vulnerabilidade diante do caráter errático da vida. Assim como sentiu em criança, é necessário um pai para tornar a vida adulta viável (Saroldi, 2011, p.67)

Entretanto, pode-se constatar segundo o Mapa das religiões que a oferta de religiões aumentou nas últimas décadas, assim como o número de adeptos. Cada segmento religioso oferece um pai, um deus na medida da necessidade de cada adepto. O enfraquecimento da função paterna e a falta de um papel definido do homem na família, faz com que haja a percepção de diversas nuances desta função, desde a perspectiva de cada filho. Pais que tentam exercer uma autoridade excessiva para compensar o seu sentimento de enfraquecimento podem refletir na oferta de um deus severo e punitivo, como o deus da religião testemunhas de Jeová. Pais mais liberais e que abrem mão da autoridade podem gerar a busca de um deus mais acolhedor e menos autoritário como é o caso das neo-religiões derivadas do oriente como o messianismo. Pais mais modernos e joviais podem ser encontrados em religiões evangélicas, nas quais a tribuna é uma prancha de surf e os pastores são surfistas, como acontece na Bola de Neve Church. Enfim, a oferta de deuses diferenciados em vários e novos segmentos religiosos se deve à variação da função paterna nas últimas décadas, refletindo por fim a indefinição de um papel de pai e seus atributos.
Por outro lado, o atravessamento pelo édipo nem sempre é alcançado. Patologias da contemporaneidade incluem os atos-sintomas. Sujeitos que não foram inscritos na ordem do simbólico, portanto não introduzidos nas leis civilizatórias, não possuem um superego consolidado para lhes colocar em um convívio social adequado. Considerando que o superego é inaugurado concomitantemente com o recalque primordial e que, isto acontece na passagem pelo édipo e que hoje, uma parte significativa dos pacientes que frequentam clínicas de saúde mental, psicologia e psicanálise são pacientes que se encontram aquém desse registro, a religião vem funcionar como um superego poderoso externo que toma lugar da lei civilizatória falida. Essa lei civilizatória falida aparece na impunidade aos crimes, na transgressão das regras morais e sociais sem ocasionar consequências, na corrupção dos governantes e no enriquecimento ilícito tão visível nos tempos atuais. Assim sendo, a religião cumpre o papel da lei:

Quanto aos oprimidos pelos ditamos civilizados, a coisa é temerariamente diferente: se perceberem que, no fundo, as pessoas não acreditam mais em Deus, talvez sua hostilidade à cultura encontre finalmente um caminho desimpedido para se expressar. Se não há punição divina a temer em caso de assassinato, por que não cometê-lo? (Saroldi, 2011, p. 62)

O adulto adolescente da contemporaneidade precisa de um pai para colocar limites à sua rebeldia e transgressão.
Se no passado, a religião era o lenitivo pela culpa do assassinato do pai, era a absolvição do pecado original, hoje ela precisa impor a culpa para conter o homem moderno.
Como a contemporaneidade implica em vínculos frágeis ou inexistentes, egocentrismo e solidão, a religião e a prática religiosa pode exercer a função de união, de criar um sentimento de segurança e solidariedade inexistente nos dias atuais. Através do ritual religioso, o grupo se mantem coeso fortalecendo a condição de pertencimento e de agregação do homem. É o símbolo de uma grande família diante do desmantelamento da família original.
O homem precisa de algum conteúdo que lhe permita constituir significado, algo que lhe dê sentido à vida. O avanço tecnológico, a desestruturação da família e a demanda de rapidez que impede uma consolidação de identidade impossibilitam o homem de constituir um significado para a vida, gerando um grande vazio existencial. Para alguns, o alimento é a forma de preencher esse vazio. Para outros, o uso de drogas e a adicção é a oferta possível de preenchimento, mas para muitos a religião vem suprir esse vazio. Aqui enquadramos a religião como uma prótese que preenche e completa o ser humano.
Freud, a respeito da religião, buscando similaridades entre a neurose obsessiva e a prática religiosa, cita: "Poderíamos nos arriscar a considerar a neurose como uma contrapartida patológica da formação de uma religião, e a descrever a neurose como uma religiosidade individual e a religião como uma neurose obsessiva universal”. (Freud, 1907). O ato religioso tem sua significação baseada num significado simbólico, entretanto a maioria dos praticantes são movidos por motivos inconscientes para a execução desses atos, sem uma percepção de sua simbologia.
Assim como a alimentação excessiva e o uso de drogas culminando na dependência química são comportamentos disfuncionais, a religião, quando cumpre essa função, também se torna algo que disfuncionaliza o comportamento e a vida do crente. O único foco possível na vida do indivíduo é a adoração e a obediência cega ao pai ofertado pela religião, sacrificando todo e qualquer contato social, permitindo que sua fé e crença se propague além dos limites religiosos para o profissional e social. Pode-se considerar nesse prisma, uma patologia da religião. O pathos religioso assemelha-se a um estado psicótico quando se constata indivíduos pregando em praça pública sem nenhuma audiência, introduzindo o pensamento religioso em outras áreas, fazendo mais parecer um delirio do que um pensamento racional.

Conclusão:

A religião, embora considerada uma ilusão, assim como a existência de um Deus são necessidades na vida contemporânea. Exerce a função catalizadora, uma cola que liga o homem às suas origens e ao seu presente. Dá sentido à um mundo desprovido de significado, introduz o homem ao acolhimento de um pai, ao mesmo tempo que contém seus impulsos destrutivos e normatiza a convivência em sociedade. Restitui um sentido de família num mundo onde prevalece a quebra de vínculos e o isolamento, atenua o medo de um futuro incerto e ameaçador no qual o ser humano enfrenta por sua conta e risco. Assim como o amor, uma estrutura de ficção necessária, a religião e a existência de Deus, uma invenção do próprio homem, são fenômenos que devem co-existir na contemporaneidade, com a ciência e a tecnologia. A contemporaneidade é composta de paradoxos. Embora se saiba que o amor é uma promessa numa estrutura de ficção, o homem não é capaz de deixar de amar, o mesmo acontece em relação à religião, pois embora se compreenda sua existência como uma ilusão, não se deixa de buscá-la como um alento, um consolo ou uma contenção, num mundo tão inóspito e hostil, onde o convívio social, a solidariedade, o respeito ao outro beiram um colapso.

Referências bibliográficas:

  • BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001
  • FREUD, S. O futuro de uma ilusão. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (J. O. A. Abreu, trad., Vol. 21, pp. 15-71). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1927)
  • _________. Atos obsessivos e práticas religiosas. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976, vol. IX (Trabalho original publicado em 1907)
  • _________. O Mal estar na cultura. Porto Alegre: L&PM, 2010 (Trabalho original publicado em 1930)
  • KEHL, M. R. A teenagização da cultura ocidental, 1997, disponível em <www.mariaritakehl.psc.br/resultado.php> acessado em 10 de Maio de 2014
  • LACAN, J. O triunfo da religião precedido de discurso aos católicos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005
  • LAZNIK, M. C. Breve relato das ideias de Lacan sobre a histeria. In Reverso, v. 30, nº 55, Belo Horizonte: Junho 2008, disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S0102-73952008000100002&script=sci_arttext> acessado em 11 de Maio de 2014
  • NERI, M. Novo mapa das religiões. Rio de Janeiro: FGV/CPS, 2011
  • SAROLDI, N. O Mal-estar na civilização – as obrigações do desejo na era da globalização. In coleção Para ler Freud. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2011

domingo, 19 de janeiro de 2014

Entrevista com a psicanalista Silvia Herszkowicz


Silvia Herszkowicz é psicanalista há mais de 10 anos e tem desenvolvido um trabalho com psicóticos tanto na análise individual como em grupo. Produzia o curta-metragem "O Diafragma da Alma", documentário vencedor do IV Prêmio Arthur Bispo do Rosário - CRP SP - Categoria vídeo, juntamente  com sua filha, cineasta Thais Herszkowicz. O Diafragma da Alma fala sobre o vazio interior sofrido pelos pacientes esquizofrênicos, vazio este representado no documentário como um único foco de luz ao chão, iluminando-os em um círculo vazio onde suas vidas são representadas por gestos, contos, olhares, desenhos e revelações. Silvia tem consultório na Rua Pamplona, São Paulo. Para entrar em contato, seu e-mail é angel8000@terra.com.br 
Para ver o vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=0znS2ZxrAQg (com legenda em espanhol)
 https://vimeo.com/33352291 (em HD)
https://vimeo.com/43633471  (com legenda em Inglês)


1- Silvia, conte-nos do seu caminho profissional na clínica de psicóticos, há quanto tempo trabalha com psicóticos e que tipo de trabalho desenvolve?

Comecei a trabalhar nesta área há 10 anos observando o Grupo Vida, coordenado pela Dra Araceli Albino, no Núcleo de Pesquisas Psicanaliticas na Vila Mariana.
No início de meu trabalho com o grupo anotava todos os diálogos entre pacientes e analistas, observando cada detalhe e o comportamento de todos. Após este período de observação me senti pronta para fazer parte deste grupo, trabalhando tanto individualmente quanto em grupo com esses pacientes.
O Grupo Vida segue até hoje como um grupo aberto para que os pacientes possam falar e serem ouvidos, não há a obrigatoriedade de falar. Os pacientes sentem-se a vontade para expor seus problemas, angústias, medos, vergonhas e ao mesmo tempo ouvem os problemas dos outros, o que eles dizem que lhes traz um certo conforto.
A Dra Araceli, que fundou o grupo, sempre fez também a função de conter os surtos que aconteciam com alguns pacientes através da direção de tratamento que foi criando um método próprio. Todos os pacientes além da terapia de grupo fazem também a terapia individual( na clinica social da entidade) bem como o tratamento com psiquiatras. Em grupo há um trabalho com arte terapia,, terapia corporal , teatro, música e tudo que possa colaborar para a melhora dos pacientes. Nada é obrigatório mas os resultados melhores vem sempre com a integração grupo/individual.

2- Freud acreditava não poder trabalhar analiticamente com pacientes psicóticos devido a ausência de transferência, mas graças a Lacan, sabemos hoje ser possível o trabalho clínico com o psicótico porque há transferência. Como você observa essa transferência na clínica e qual a qualidade desse tipo de transferência?

Na realidade para trabalhar com a psicose o analista tem que estar muito bem analisado para não se misturar com o conteúdo deste paciente que tem seu inconsciente a céu aberto e muitos analistas não aguentam esta situação porque este tipo de paciente é completamente imprevisível e se por um acaso ele surta, o psicanalista tem que dar conta deste surto, entrar no surto, sustentar sua posição, ajuda-lo a sair do surto e depois dirigi-lo para a realidade. Penso que se um analista de neuróticos tem AMOR DE ANALISTA no caso da psicose é muito mais AMOR DE ANALISTA.. É uma relação muito forte pois o paciente deposita toda a sua carga de delírios, alucinações e vários outros conteúdos em cima de seu analista e este analista tem que dar conta de tudo isto sem se misturar com este paciente e jamais demonstrar medo, pois se há medo da parte do analista o psicótico percebe , se aproveita disso e não acontece a transferência.

3- No seu ponto de vista, quais os pontos chaves na clínica da psicose para que o trabalho analítico possa ser desenvolvido?

Vontade do paciente, vontade e preparo do analista (tripé da psicanalise) para lidar com demandas tão fortes destes pacientes, paciência para atender esse paciente não somente em sessão, pois quando a transferência se faz ele vai requisitar muito e o analista tem que atender dando limites mesmo que ele não os siga.

4- E o analista, que tipo de atributos especiais deve desenvolver para praticar a clínica da psicose?

O analista tem que querer atender este tipo de paciente mas também tem que estar bem analisado para não misturar seus conteúdos com os dele e ter firmeza para enfrentar seus surtos, seus delírios, suas alucinações para coloca-lo na realidade. Há de ter a continência Winnicottiana e a firmeza Lacaniana.

5- Você acredita que a psicanálise venha a desenvolver novos recursos, considerando um aumento de números dessa psicopatologia, para futuramente lidar com a clínica da psicose de uma forma institucional e mais abrangente?

Sinceramente não. Acho que no Brasil,agora na contemporaneidade, a psicanalise ainda anda a passos lentos e por ser um processo muito longo e individual é para poucos, pois hoje as pessoas querem resultados imediatos, sendo neuróticos. Com a clínica da psicose o processo é muito mais demorado.

6- De que forma se maneja a metáfora delirante nessa clínica?

Entrando junto com o paciente nessa metáfora delirante, e com ele argumentar se aquilo pode acontecer na realidade ou não. O analista tem que perceber quais são as potencialidades do paciente e dirigi-lo para tais potencialidades e só assim será possível inseri-lo na sociedade.

7- Quais as principais diferenças do trabalho analítico com neuróticos e psicóticos?

Para os neuróticos o analista trabalha no contra ponto do problema já o psicótico não tem esse contra ponto, ele (psicótico) não consegue ir a lugar nenhum que seja útil para si sem a ajuda do analista.



Muito obrigado Silvia, pela participação no nosso blog.

sábado, 28 de dezembro de 2013

PRIMEIRAS ATIVIDADES 2014

(Foto do PENSAR PSICANÁLISE, do dia 16 de Dezembro de 2013, no Fran's Café)


Já temos as nossas primeiras atividades para o primeiro semestre de 2014 programadas. Vejam só!

- TURMA DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE: início: 15 de Fevereiro de 2014, sábados quinzenalmente, de 9h00 às 16h30. Processo seletivo aberto. Saiba mais no nosso site: www.ilpc.com.br

- PENSAR PSICANÁLISE, evento aberto ao público, gratuíto, sempre às segundas feiras, com reservas de vagas pelo e-mail: contato@ilpc.com.br. Acontece sempre no Fran's café da Vila Mariana, Rua Francisco Cruz, 583.
17 de Fevereiro - 19h30 - A clínica do vazio - ou o desvalimento na contemporaneidade - com o psicanalista Olivan Liger
17 de Março  - 19h30 - O processo criativo como transformação para o crescimento - com a psicanalista Dirce M. Desgualdo
14 de Abril - 19h30 - a divulgar
19 de Maio - 19h30 - Fazendo amor na psicanálise - qual a posição do analista? com a psicanalista Renata Zancan
16 de Junho - 20h00 - Tema a ser divulgado, com o Dr. Leandro Alves Rodrigues dos Santos

CINEILPC, um espaço para debater e comentar filmes sob a perspectiva psicanalítica:
- "Amor" do Michael Haneke, comentado e mediado pelo psicanalista Olivan Liger, acontecerá no dia 04 de Abril, 19h30, sexta feira - Custo: R$ 20,00 - reservas: contato@ilpc.com.br ou psicontemporanea@terra.com.br - Rua Luís Góis, 1531, São Paulo. 

PALESTRAS, acontecem na Rua Luís Góis, 1531, S. Paulo, sempre às sextas feiras. Custo: R$ 20,00 com inscrições pelo e-mail: contato@ilpc.com.br
Dia 25 de Abril, 20h00O corpo não sentido: psicanálise e reconhecimento, com Angelica Hoffler, psicanalista, historiadora pela FFLCH-USP e mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP
Dia 02 de Maio, 20h00: A Clínica da Psicose, com Silvia Herszkowicz, psicanalista, produtora do curta metragem sobre tratamento da psicose em grupo, ganhador do prêmio Artur Bispo do Rosário. (será exibido o curta-metragem seguido da palestra).
Dia 24 de Maio, 20h00Contribuições da antropologia contemporânea à clínica psicanalítica, com João Felipe Domiciano, psicólogo, psicanalista, mestrando em Psicologia clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, membro do movimento do campo Lacaniano-ABC, professor visitante da Faculdade de Medicina do ABC.
Dia 06 de Junho, 20h00: Toda menina precisa de um cavalo - a análise infantil em questão, com Lucimara Mantovani, psicanalista e fonoaudióloga, mestre em Educação: Distúrbios da Comunicação PUC-SP.

VEM AI: CAFÉ COM PALAVRAS; UM EVENTO EXCLUSIVO PARA PSICANALISTAS E FORMANDOS EM PSICANÁLISE. Acompanhe no nosso site: www.ilpc.com.br


domingo, 3 de novembro de 2013

Nosso primeiro ano de atividades.



O Instituto Latino americano de Psicanálise contemporânea, ILPC, é uma instituição legalmente constituída que tem por objetivo a transmissão do Saber Psicanalítico dentro dos padrões recomendados pelos melhores institutos de formação: o tripé de formação, o qual inclui a assistência aos seminários teóricos e clínicos, a análise pessoal e a supervisão clínica.
Acreditamos que a formação do psicanalista é uma formação permanente lastreada pela ética e seriedade e comprometida com a honestidade intelectual.
Nossa instituição nasceu em Outubro de 2012 e iniciou oficialmente suas atividades em Fevereiro de 2013 com o evento PENSAR PSICANÁLISE e o primeiro grupo de formação. Hoje contabilizamos 10 edições do PENSAR PSICANÁLISE, um evento aberto ao público e que apresenta sempre temas diversos sob uma perspectiva psicanalítica pertinente à contemporaneidade. Fizemos palestras e apresentamos análise de filmes (cineILPC), promovemos cursos breves e lançamos nossa plataforma de cursos de extensão cultural a distância. Colecionamos sucesso pois contamos com presenças de psicanalistas convidados e especialistas como a Silvia Marina de Melo e Paiva, Rita Bicego Vogelaar, Arnaldo Domínguez, do departamento de psicanálise do CEP, também com o Henrique Senhorini, criador do blog cinefreudiano; Renata Zancan, Dirce Desgualdo e Deise Galassi. Todos contribuíram com seus conhecimentos e acreditaram na nossa proposta.
Para este ano, encerraremos o ano com uma palestra muito especial: Do que se trata uma análise: o mito da felicidade vencido pela verdade de cada sujeito, com o psicanalista e presidente do ILPC, Olivan Liger e também teremos o doutor e pós-doutorando Leandro dos Santos no último PENSAR PSICANÁLISE do ano, no dia 16 de Dezembro, com o tema: Afinal, quem procura e porque procura? ou: de onde vem os pacientes atualmente?
Nesse um ano que passou, aprendemos muito e nos comprometemos ainda mais com o nosso objetivo. Reformulamos nosso grupo gestor e criamos novas possibilidades de transmitir o nosso saber.
Para o próximo ano, já confirmamos novos convidados muito especiais para o PENSAR PSICANÁLISE, já temos cursos breves agendados e novas turmas de formação serão abertas. Criaremos uma nova série de eventos e oportunidades para levar reflexões profundas a cada participante. Estamos criando parcerias com outras instituições e profissionais que, como nós, acreditam na psicanálise ética e séria.
Temos muito a agradecer a todos que prontamente atenderam nosso convite para participar de nossos eventos; aos que, como expectadores, estiveram conosco no decorrer do ano; aos formandos que muito nos ensinaram e com isto ganhamos a experiência necessária para reavaliar nossas práticas e ousarmos o "diferente".
Acreditamos que conosco partilharão todos que tenham o nosso objetivo e pensamento em relação à psicanálise e sua transmissão.
Aguardem nosso calendário para 2014 e surpreendam-se com as novas possibilidades de conhecer a psicanálise.
Muito obrigado a todos!

Do que se trata uma análise? O mito da felicidade vencido pela verdade de cada sujeito

Inscrições abertas para a palestra. Inscreva-se pelo e-mail: contato@ilpc.com.br
Poucas vagas!